Mãe de criança com doença rara é acusada de ocultar doações e inflar valor de tratamento

Uma rede de solidariedade que moveu a cidade se vê envolta em contradições, omissões e suspeitas sobre o uso dos recursos doados
por 16/06/2025
Augustinópolis

AGUSTINÓPOLIS (TO) — Em setembro de 2024, uma campanha comovente mobilizou moradores de Augustinópolis-TO e apoiadores de outros estados em torno da história de J.P.Q., uma criança de 9 anos diagnosticada com Púrpura Trombocitopênica Idiopática (PTI), uma rara doença autoimune que destrói as plaquetas do sangue e expõe o paciente a hemorragias graves. O apelo emocionado da mãe, R.S.Q., ganhou força nas redes sociais e foi amplificado por uma reportagem do Diário de Augustinópolis, provocando uma onda de solidariedade.

A reportagem foi produzida e publicada nos canais do D.A com o objetivo de ajudar na arrecadação dos valores necessários para o tratamento. O vídeo em questão ultrapassou 246 mil visualizações apenas no Instagram. No entanto, a mãe está sendo acusada de ocultar doações recebidas, inflacionar os valores dos medicamentos e continuar solicitando doações mesmo após já ter recebido o tratamento equivalente ao período.

Campanha com fortes apelos emocionais

A mãe, identificada nas redes por suas postagens diárias pedindo doações via Pix, alegava urgência e risco de interrupção do tratamento do filho. Segundo relatos colhidos pela reportagem, ela chegou a declarar que o medicamento custaria R$ 8 mil por caixa, mas de acordo com a denuncia, o valor é muito superior ao praticado em fontes oficiais.

“Essa medicação é distribuída gratuitamente pelo SUS para quem tem prescrição e cadastro correto”, explicou a denunciante, que atua como voluntária e faz parte da logística de distribuição entre pacientes. “Ela recebeu duas caixas de Revolet, cada uma com duração de 30 dias, doadas por integrantes do grupo. Isso representa mais de R$ 25 mil em medicamentos, se formos considerar o valor que ela mesma alega. Como pode continuar dizendo que está sem?”, questiona.

Ainda segundo o grupo, as doações foram organizadas por meio das associações PTI Brasil e Abrali (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia), entidades sérias e amplamente reconhecidas que mantêm controle rigoroso sobre as remessas, inclusive exigindo que os beneficiários prestem contas públicas dos recebimentos.

Omissão e contradições

Nas informações obtidas com exclusividade pelo Diário de Augustinópolis, integrantes do grupo relatam que a mãe não prestou qualquer tipo de conta sobre os medicamentos recebidos nem sobre os valores arrecadados, apesar de ter sido confrontada sobre a necessidade de transparência.

“Ela não menciona a dosagem, não mostra receita, não cita o nome do remédio, não informa o valor real. É um apelo emocional sem base concreta, o que levanta sérias dúvidas”, disse uma das voluntárias.

No dia 26 de setembro, conforme mostram imagens enviadas ao D.A, R.S.Q. recebeu a primeira caixa do medicamento Revolade® 50mg via SEDEX. A remessa continha 14 comprimidos. A caixa foi obtida por intermediação de D.S., voluntária ligada a um grupo beneficente.

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Em um outro momento a denunciante teria conseguido mais doações.
“Consegui medicação de doação pra você para dois meses”, escreveu D.S. à mãe em uma das mensagens. “Você paga só o envio pelos Correios.” As conversas ainda mostram que R.S.Q. confirmou o recebimento com uma foto da embalagem aberta e os blisters do medicamento sobre a caixa.

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O que não foi informado ao público naquele momento — tampouco nas postagens feitas pela mãe — é que o primeiro ciclo completo de tratamento foi custeado inteiramente por doação. Em 30 de novembro, no entanto, a mesma campanha seguia ativa, pedindo doações com o argumento de que a criança ainda precisava urgentemente do remédio.

Entre outubro e novembro, enquanto a campanha ganhava corpo nas redes, a equipe de apoio começou a notar que a comunicação pública da família omitia o recebimento da medicação doada. Em uma das mensagens registradas em novembro, e encaminhada ao D.A, a intermediadora questiona diretamente:

“R., por que nunca posta que ele já recebeu doações? […] É uma forma também de agradecer a equipe da PTI Brasil, que sempre está disposta a contribuir.”

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A resposta de R.S.Q., enviada por meio do Messenger, foi extensa, mas não conclusiva. Ela justificou que preferiu não divulgar o recebimento das doações por receio de que isso prejudicasse novas ajudas, alegando que havia recebido da assistência farmacêutica de Palmas a informação de que “não há previsão de chegada da medicação” e que por isso deveria manter as postagens de apelo.

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“A pessoa que foi lá [no posto] perguntar pra mim, porque eles não atendem mais o telefone, pediu para que eu continuasse com as postagens”, escreveu.

Dezembro: mais doações chegam, mas campanha continuava ativa

Em dezembro, novas caixas de medicamento foram enviadas por doadores — como mostram registros de conversas no WhatsApp e novas fotos das encomendas recebidas via Correios. Uma dessas caixas, segundo a remetente, cobriria mais 60 dias de tratamento.

Mesmo com essa cobertura já garantida, a campanha permanecia ativa. A reportagem publicada em 30 de novembro no Diário de Augustinópolis — elaborada com base em informações fornecidas pela própria mãe — relatava que a família ainda lutava para comprar a próxima caixa.

Dizia o texto:

“Apesar das doações, o desafio permanece. A medicação custa cerca de R$ 8.000 por caixa e é necessária de forma contínua.”

Janeiro: suspeitas, gastos paralelos e ausência de transparência

Ao longo das semanas seguintes, novas preocupações surgiram. Segundo relatos enviados ao jornal, R.S.Q. teria promovido uma festa de casamento e adquirido uma motocicleta no mesmo período em que mantinha os apelos públicos por doações para compra de remédios. Não há, até o momento, provas documentais de que os recursos usados nessas ações tenham vindo diretamente das campanhas — mas o contexto levanta sinais de alerta.

Uma imagem enviada ao D.A Studio mostra R.S.Q. vestida com trajes de noiva, em cerimônia realizada em novembro. Em paralelo, pessoas ligadas ao grupo de doações relataram que tentaram obter prestação de contas sobre as doações, sem sucesso. Não há registros públicos de notas fiscais, extratos bancários ou recibos vinculados à compra do medicamento.

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A ausência de qualquer menção pública sobre as medicações já recebidas — inclusive por meio de doações completas — foi interpretada como omissão proposital por parte de doadores e apoiadores.

Possível denúncia formal

Diante das inconsistências, o caso já chegou às mãos das diretorias das associações envolvidas, que estudam a exclusão da beneficiária do programa de doações. A mobilização gerou também conversas com autoridades. Em um dos trechos da conversa, uma das fontes afirma que o caso deveria ser repassado as autoridades, com intenção de apuração formal: “Eles devem tomar providências”.

Voluntários relatam que a insistência em campanhas sem transparência pode ter prejudicado o fluxo de doações no grupo como um todo. “Tem gente que deixou de doar com medo de estar sendo enganado. Isso atrapalha quem está lutando para manter o filho vivo, de verdade”.

Rede de apoio pede mudança de postura

As lideranças dos grupos PTI Brasil e Abrali recomendam que, em vez de arrecadar dinheiro, os responsáveis por pacientes solicitem doação direta da medicação, o que garante transparência e reduz os riscos de uso indevido dos valores. “A gente consegue o medicamento. É difícil conseguir dinheiro, o povo mal tem pra comer”, disse uma das administradoras. “Ela devia ter pedido o remédio. Com receita na mão, mostrando tudo direitinho”.

Ao fim das conversas, a fonte principal da denúncia lamenta o envolvimento do jornal em uma campanha que pode ter iludido o público. “Sei que vocês fizeram de coração, com boa intenção. Mas doeu ver aquilo rodando o país, sabendo que tinha medicação dentro da casa dela”, afirmou. “A forma como foi feito jogou fora a credibilidade que vocês construíram com tanto trabalho”.

O que diz a mãe

“Quando foi feito a entrevista sobre a real situação que eu me encontrava com meu filho que tem uma PTI né e que faz tratamento em Palmas na própria entrevista foi citado que o meu filho tinha apenas alguns comprimidos né para alguns dias e que eu estava apreensiva e bastante preocupada por vir ficar sem a medicação né ele tava sim fazendo uso de medicação tinha apenas alguns comprimidos como no próprio vídeo é citado após a repercussão do vídeo consegui sim comprar mais uma caixa de remédio teve também doações de remédio né inclusive eu fiz um novo vídeo e coloquei nas redes sociais agradecendo tudo e que eu também estaria aliviada porque ele teria medicação para 60 dias né com tudo isso né com toda essa repercussão ele voltou a ficar quase sem remédio eu tornei postar um novo vídeo eu vendia rifa inclusive, Antes do vídeo o meu filho já fazia o uso da medicação lá no vídeo é citado que ele ainda tinha alguns comprimidos para alguns dias depois da repercussão do vídeo consegui comprar a medicação com o valor arrecadado ele também ganhou doações né da medicação que inclusive eu gravei um vídeo agradecendo as pessoas envolvidas”.

“A moto que nós temos foi um consórcio que foi feito em 2022 e a gente pegou em 2023 em setembro, Casei no civil no casamento comunitário teve o religioso”.

O que diz a lei

Campanhas de arrecadação para fins médicos, especialmente envolvendo crianças, estão sujeitas à fiscalização do Ministério Público. A omissão de informações, como doações já recebidas ou distorções sobre o custo do tratamento, pode configurar estelionato, além de fraude em campanha solidária.

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Mágson Alves

Mágson Alves

| Criador de conteúdo | Filmaker | Fotógrafo |

CEO e fundador do Diário de Augustinópolis, o portal de notícias que mais cresce na região.

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