Em dezembro de 2023, a Câmara Municipal de São Sebastião do Tocantins votou as contas consolidadas de 2019 do município – exercício sob responsabilidade do então prefeito Professor Adriano Rodrigues de Moraes – confirmando o parecer prévio do Tribunal de Contas (TCE/TO) e reprovando-as. Com isso, o ex-prefeito tornou-se inelegível para os pleitos seguintes, conforme prevê a legislação eleitoral (contas rejeitadas são encaminhadas à Justiça Eleitoral para análise de inelegibilidade). Na eleição de 2024, Adriano não concorreu, mas obteve uma vitória indireta: lançou sua irmã socioafetiva como candidata a prefeita, que foi eleita, a medida em que o grupo político ligado a ele conquistou maioria na Câmara Municipal.
Uma investigação feita pelo D.A revela que em março de 2025, o próprio Adriano protocolou um requerimento pedindo a anulação do julgamento de suas contas de 2019. No documento, ele alega supostos “atropelos” no processo original – como prazos exíguos para análise e omissão de documentos importantes – e pede que a votação seja refeita sob novo prazo de defesa. O teor do pedido foi detalhado em ata: “Constou o requerimento do ex-Prefeito Adriano Rodrigues de Moraes que requer anulação do julgamento das contas consolidadas do município referente ao exercício do ano de 2019 de sua responsabilidade por motivo de irregularidade no procedimento legal, como por exemplo omissão de análise de documentos importantes” – requerimento este que, de forma surpreendente, foi aprovado por unanimidade pela nova Câmara.
Pedido de anulação e documentos desaparecidos
Para embasar seu pedido, Adriano enviou à Câmara um requerimento datado de 20 de março de 2025. Nele, o ex-prefeito invoca princípios como a ampla defesa, mas alega irregularidades processuais por parte do então presidente da Casa. Segundo ele, o julgamento original teria sido “atropelado” por perseguição política, com sessões marcadas em prazos curtos que teriam prejudicado a análise dos documentos apresentados. Cita ainda a suposta omissão de documentos importantes que teriam sido juntados à sua defesa e não examinados pelo legislativo. O requerimento demanda a anulação do julgamento de 2019 e a reabertura de prazos para reavaliação das contas “à luz das normas legais e constitucionais que garantem a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal”.
Na mesma linha, ofício encaminhado em 7 de abril de 2025 pelo novo presidente da Câmara, Genivaldo Ferreira Lima, revela que a Mesa Diretora não conseguiu localizar o processo físico de julgamento das contas de 2019 no arquivo da Casa. No documento oficial (Ofício nº 001/2025), Genivaldo informa que, em transição da gestão, “não foi localizado no acervo documental da Câmara Municipal qualquer registro relativo ao referido processo de julgamento”, por isso solicita cópia integral do processo antigo a quem de direito. Ou seja, parte-se do pressuposto de que os documentos desapareceram misteriosamente dos arquivos, fato que torna ainda mais estranho a proposta em questão.
Aprovação da anulação na nova Câmara
Dias depois, em 9 de abril de 2025, a nova composição da Câmara incluiu na ordem do dia o requerimento de Adriano e o aprovou sem apresentar justificativa legal concreta ou identificação de qualquer vício processual formal. A ata da sessão registra apenas que “o requerimento do ex-prefeito foi colocado em deliberação e aprovado por unanimidade”. Não houve nenhum parecer jurídico ou denúncia de nulidade que acompanhasse o requerimento; em outras palavras, a Casa simplesmente acolheu o pedido atropelando a coisa julgada. O ato jurídico originário – com parecer técnico do TCE e votação regular – já estava concluído e formalizado. Reabrir esse caso sem motivo legal evidente significa ferir o princípio de segurança jurídica e interromper a estabilidade das decisões públicas. Até onde se sabe, os fatos foram comunicados ao Ministério Público e ao próprio TCE/TO, que agora podem apurar eventuais irregularidades neste processo de anulação.
Possíveis Vícios do procedimento
A análise jurídica do caso aponta graves inconsistências no novo procedimento legislativo. Sendo comprovado, os principais vícios identificados estão:
- Violação do ato jurídico perfeito e da coisa julgada: o julgamento das contas de 2019 foi concluído e homologado pela Câmara em 2023; reabrir o processo agora sem demonstração de erro formal afronta o instituto da coisa julgada, que confere estabilidade às decisões definitivas.
- Ausência de motivação legal: o requerimento foi aprovado sem que nenhum membro apontasse qual norma foi ferida ou qual ilegalidade específica teria ocorrido no procedimento original. Não foi citada qualquer nulidade processual, tampouco foi formalizado um parecer jurídico contrário – o que torna o voto meramente político.
- Processo regular original: consta nos autos (e como sugere o próprio requerimento de Adriano) que o procedimento anterior seguiu o rito regimental e o parecer prévio do TCE/TO, com ampla defesa e votação em plenário. Anular um ato legítimo, depois de concluído e já submetido à Justiça Eleitoral (eventualmente), caracteriza abuso de poder.
- Possível ilícito administrativo: a revogação de um ato público já finalizado pode configurar fraude administrativa e prevaricação (omissão deliberada de agente público), caso se comprove que o objetivo do novo vote era apenas atender interesses pessoais do ex-prefeito. Esses crimes seriam investigados pela polícia ou pelo Ministério Público caso fique claro que houve distorção das funções do Legislativo.
Possíveis Implicações políticas
O uso da Câmara como instrumento para resolver pendências eleitorais pessoais fragiliza a separação de poderes. Ao apoiar a anulação, a maioria de vereadores – agora alinhada com Adriano – mostrou-se disposta a dobrar regras para beneficiar um aliado, em detrimento do interesse público. Essa manobra tem evidente viés eleitoral: ao declarar nulas as contas rejeitadas, Adriano poderia reverter sua inelegibilidade e tentar vaga na Assembleia Legislativa do Tocantins. Trata-se de um risco à democracia municipal, pois subverteu o resultado do processo de prestação de contas e pode interferir no livre processo eleitoral. Especialistas lembram que legislar em causa própria e revogar atos findos sem base legal ofende os pilares constitucionais, incluindo a impessoalidade administrativa e a necessidade de motivação dos atos públicos.
Em suma, o pedido de anulação das contas de 2019 oferecido por Adriano Rodrigues de Moraes – e a aprovação sumária desse pedido pelo novo Legislativo – desdobra-se em investigativos efeitos jurídicos e políticos. O episódio expõe possíveis vícios de procedimento e revela como ferramentas institucionais podem ser distorcidas em benefício particular. As autoridades competentes já têm em mãos elementos para apurar os fatos; enquanto isso, a sociedade acompanha atenta essa disputa nos bastidores do poder, que pode gerar desconfiança no processo eleitoral e no sistema de freios e contrapesos.
O Diário de Augustinópolis entrou em contato com o ex‑prefeito Adriano Rodrigues de Moraes, com o presidente e ex-presidente da Câmara Municipal, solicitando manifestação sobre os fatos aqui apurados. Até o fechamento desta edição, não recebemos quaisquer respostas. O DA permanece aberto a eventuais posicionamentos futuros de todos os envolvidos, garantindo o pleno exercício do direito de resposta.