Em meio a uma das maiores operações recentes da Polícia Federal, o governo do Tocantins se vê envolto em um suposto esquema de desvio de recursos públicos que abala a confiança nas instituições do estado. O governador Wanderlei Barbosa (Republicanos), que sempre negou qualquer envolvimento, agora enfrenta acusações graves de que teria não só conhecimento, mas também dado andamento às irregularidades envolvendo a compra de cestas básicas durante a pandemia de COVID-19.
De acordo com decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), assinada pelo ministro Mauro Campbell Marques, “Wanderlei Barbosa tinha pleno conhecimento e, após o afastamento do ex-governador Mauro Carlesse, deu continuidade a um esquema sistemático de desvio de recursos públicos”. A decisão, que foi a base para a operação Fames-19, lançada na última quarta-feira (21), trouxe à tona detalhes perturbadores de como o esquema foi mantido e executado ao longo dos anos.
O contexto do escândalo
O esquema teria início ainda na gestão de Mauro Carlesse, quando a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas), sob influência direta de Wanderlei Barbosa, então vice-governador, começou a direcionar milhões em verbas para a compra de cestas básicas. Estas cestas, supostamente destinadas a famílias carentes durante a pandemia, eram adquiridas de empresas de fachada que, na prática, não entregavam os produtos contratados.
As investigações apontam que as empresas envolvidas foram selecionadas de maneira fraudulenta, muitas delas criadas pouco antes das contratações. Os valores dos contratos, embora pagos, não se refletiam na entrega das cestas básicas. Em um exemplo emblemático, uma das empresas investigadas recebeu R$ 839.100,00 em dezembro de 2021, já sob o governo de Wanderlei Barbosa, sem que houvesse comprovação da entrega correspondente.
A divisão do esquema
Conforme a apuração, o esquema criminoso foi dividido em quatro núcleos distintos: agentes políticos, servidores públicos, empresários, e operadores de lavagem de dinheiro. O primeiro núcleo, composto por agentes políticos de alto escalão, foi responsável pela destinação das emendas parlamentares que alimentavam o esquema. O segundo, formado por servidores públicos, operacionalizava as fraudes, direcionando as licitações e falsificando a documentação de recebimento das cestas.
Empresários, como Macione Costa de Oliveira, estão no terceiro núcleo. Ele afirmou ter “emprestado” sua empresa para outro empresário, enquanto ele próprio estava envolvido em uma campanha política em Ananás, Tocantins. No entanto, as investigações revelam que sua empresa, MC Comércio de Alimentos, recebeu R$ 12 milhões em contratos, valores que ele alega nunca ter visto. “Eu confiei, e como diz o ditado: ‘maldito homem que confia no homem’”, declarou Macione, defendendo-se das acusações de ser um laranja no esquema.
O quarto núcleo cuidava da lavagem de dinheiro, criando uma rede complexa de dissimulação dos valores recebidos, que posteriormente eram repassados a outros integrantes da organização criminosa.
O papel de Wanderlei Barbosa
A operação Fames-19 teve como principal alvo o próprio governador Wanderlei Barbosa, que agora enfrenta evidências contundentes de seu envolvimento direto no esquema. Durante as buscas realizadas em sua residência e gabinete, a Polícia Federal encontrou R$ 67,7 mil em espécie, além de quantias em dólares e euros. O valor foi dividido entre sua casa e gabinete, onde também foram apreendidos centenas de boletos de contas pagas em lotéricas, tanto pessoais quanto de terceiros.
Ainda que Wanderlei Barbosa tenha declarado à TV Anhanguera que “não comprou nenhuma cesta porque era vice-governador e não ordenava despesas”, as investigações revelam outra realidade. Documentos e depoimentos indicam que Barbosa não só tinha ciência do esquema, mas que deu continuidade às contratações fraudulentas após assumir o governo em outubro de 2021.
Repercussões e respostas dos envolvidos
A resposta dos envolvidos no escândalo não demorou a surgir. Em nota, Wanderlei Barbosa afirmou que recebeu a operação “com surpresa, porém com tranquilidade”, destacando que, na época dos fatos, era vice-governador e não tinha relação com o programa de cestas básicas. Ele reiterou sua confiança na Justiça e sua disposição em colaborar com as investigações.
A primeira-dama, Karynne Sotero, também alvo da operação, expressou espanto e perplexidade, afirmando que não faz parte do processo investigatório e que está tranquila quanto ao desenrolar das investigações. Seu enteado, Léo Barbosa, e seu filho, Rérison Castro, seguiram a mesma linha, negando envolvimento e expressando confiança na Justiça.
A gravidade das acusações
Os crimes investigados, que incluem frustração ao caráter competitivo de licitação, peculato, corrupção passiva e lavagem de capitais, são graves e envolvem figuras de destaque na política e na economia do Tocantins. A operação Fames-19 não apenas expôs um esquema de corrupção, mas também colocou em xeque a integridade das instituições do estado, exigindo uma resposta firme e transparente das autoridades.
Enquanto a investigação avança, o destino político de Wanderlei Barbosa e dos demais envolvidos permanece incerto. O que é certo, no entanto, é que o povo tocantinense exige respostas e justiça em meio a um dos maiores escândalos de corrupção do estado.